



A vista animou tanto que pediu para descer. E descer. Babu não se fez de rogado. "Dava para encostar a mão. Eu juro que dava para colocar a mão para fora do avião e encostar os dedos no lago", diz o guia holandês Jorrys, que os acompanhou na ponte aérea.
"A água do lago rendeu as imagens abstratas mais bonitas que já fiz", diz Christian. No dia do safári, o baiano queria voar com a porta aberta. Como os funcionários da aeropista não acharam nenhuma regra explícita vetando a partida do avião desprotegido, depois de meia hora de discussão, o teco-teco decola. Com quatro passageiros e um tonel com 40 litros de gasolina no banco vazio. E a porta aberta.
ÁFRICA SEM NOME
As fotos serão apresentadas em Nova York, em outubro. A exposição gringa leva o nome "Light and Gloom" e ainda não ganhou título em português para a abertura, no dia 9 de dezembro, no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
O custo total do projeto ultrapassa R$ 600 mil. Cravo primeiro fotografa, depois sai atrás do prejuízo. Foi assim também com "Nos Jardins do Éden", mostra com imagens de religiões afrocaribenhas que captou no Haiti, no fim dos anos 2000. Assim que o livro da exposição foi publicado, um terremoto demoliu a maior parte do que ele tinha documentado e estremeceu o tema humano no seu trabalho. "Vi ali que a vida não valia nada. Menos do que nada."

O que não quer dizer que os animais tomaram esse espaço em seu repertório. "É a minha África que eu quero mostrar. Não tem obrigação de ter esse ou aquele bicho. É um recorte estético", explica.
Da girafa fica só o zoom no padrão das manchas de seu lombo. A zebra aparece sem pernas e com a imagem dobrada por uma poça d'água.
SAFÁRI FOTOGRÁFICO
Acorda-se cedo para caçar imagens. Não são nem 7h quando o jipe encontra, no mato, uma mãe guepardo com um filhote. É muita sorte. "Não acontece quase nunca", garante o guia Ken, "e eu não digo isso para todos".
Para quem achava que fazer safári era dirigir se desviando de elefantes, girafas, leões e outros monoblocos de carne, a lógica de pescaria por trás do passeio atacou de surpresa. Às vezes, para se ver um bicho, é preciso ficar espreitando por horas. E, quando finalmente um leão aparece, é bem provável que ele esteja dormindo. E que seja preciso esperar mais horas para ele se mexer. Com o carro parado. No calor africano. Com varejeiras do tamanho de baratas rondando.
De volta à mãe guepardo: chega um carro cheio de turistas americanos empolgados, falando alto. Como o jipe de Cravo está entre os gringos e os gatos, ele aponta sua lente teleobjetiva para o outro lado e finge fotografar o horizonte. Os americanos olham para o lado errado, entediam-se e seguem em frente. Assim, é ganha a batalha pela paz.
A caçada tende a ser um pouco mais literal. Como provou o rei da Espanha, Juan Carlos 1º, que quebrou o quadril enquanto abatia elefantes, em Botsuana, há dois meses. A Tanzânia continua vendendo o direito de sair do safári com uma lembrancinha: a cabeça do animal escolhido, empalhada e na moldura.
Os preços são fixos, como num menu: sai por R$ 40 mil um leão (só um, no masculino mesmo, porque uma leoa pode sempre estar prenha, diz o governo tanzaniano). Um elefante portentoso custa R$ 60 mil. Um gnu, R$ 20 mil, mesmo preço de uma zebra. O custo-benefício empurra caçadores para os mais robustos.
"O (ex-presidente dos EUA) George Bush (o pai) gosta de caçar elefantes aqui", diz Ken quando leva Serafina para a pista do Seringueti. "É bom que fotografem tudo porque isso aqui ainda pode acabar", diz o tanzaniano à porta do avião. Dessa vez, ela se fecha antes de levar os tripulantes até outro avião. Que vai levá-los de volta para suas casas, lugares menos selvagens, todos com seus McDonald's.
Fonte: Folha de São Paulo
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